JORGE AMARGO, CARAPAUS FRITOS, VINHO TINTO E SERÃO PARA TRABALHADORES

Coscuvilhices

José Vilhena
(in memoriam)

Depois de cumprir três anos e onze dias de choça por ter chefiado uma quadrilha de arrebentas que actuava com grande sucesso no Parque Eduardo VII, esteve de passagem cá pelo bairro a visitar a malta o Zé Jorge dos Santos, mais conhecido pelo Amargoso ou pelo Jorge Amargo, devido a não ser nenhuma pêra doce quando lhe pisam os calos.

Assim que se apeou da motorizada (fanada logo à saída da Penitenciária) foi à tasca do Vinhas onde um grupo de amigos do millieu – onde predominavam vigaristas, carteiristas e copofónicos em geral – o recebeu com as honras que merece quem conta entre nós tantos e tão fiéis admiradores.

Como o tipo vinha completamente teso, não faltou quem entrasse com o pilim para várias rodadas de tinto, pastéis de bacalhau e carapaus fritos, seguindo-se um animado colóquio com perguntas e respostas sobre a evolução do regime prisional (1) e os próximos golpes que o nosso homem tinha em mente.

Nessa noite, a tasca fechou três quartos de hora mais tarde do que a hora regimental mas tudo decorreu com grande animação, sem broncas de maior, com os vivas e morras do estilo (conforme as pessoas, os grupos e as instituições invocadas) e nem sequer as ameaças e o visível mau humor da Gracinda lograram indispor ou inibir a assistência e tirar o brilho àquela espontânea homenagem... Mau humor bastante compreensível, diga-se de passagem, pois a enérgica mulher do Vinhas não só detesta manifestações daquelas dentro da «Parreirinha», como se viu obrigada (tamanho era o chiqueiro!...) a apagar a telefonia e a interromper a audição de um dos melhores programas de música portuguesa, ou seja, um daqueles típicos serões para trabalhadores difundidos semanalmente pela Emissora Nacional e de que é uma indefectível apreciadora.

Uma ocasião houve em que nos pareceu a pontos de atirar com uma travessa de carapaus à cabeça do Marreta, quando este se pôs a invectivar uma prestigiosa instituição de segurança pública, mas felizmente conseguiu dominar-se a tempo e tudo acabou em boa paz, como era devido à categoria do homenageado e ao entusiástico apreço dos seus amigos.


(1) Nisto como noutras coisas o Jorge é uma autoridade pois já conta seis prisões por motivos vários.

Vilhena, in Coscuvilhices, 1972.