Uma História do Vinho Tinto

com Ariadne e Theseus

Francisco B.Gil

Há muito, muito tempo atrás, Ariadne, filha do rei Minos de Creta, logo que viu o “famoso herói” Teseu sem roupa interior ficou loucamente apaixonada. Um amor à primeira vista. Ofereceu-lhe como prova do seu amor, um novelo de lã virgem e uma adaga para que Teseu a pudesse proteger dos feios, maus e horrorosos que comiam jovens inocentes. Ou talvez não – foi só para chatear esses mal-encarados. É como agora: se és uma criatura diferente e eu não gosto de ti, deves ser banido, bullying em cima. Não brincas connosco.

Ariadne tinha um meio-irmão feio como uma carrada de mato – o Astério – que assustava muita gente e ela não gostava mesmo nada dele. Ainda por cima de nove em nove anos fazia uma festa com catorze virgens, vindos diretamente de Atenas que só visto. Também escrevia coisas sobre amores não correspondidos. Um poeta. De tão feio e assustador que era, fora banido. Vivia, diz-se, numa casa que era um labirinto [1]. Ficou conhecido em Cnossos na ilha de Creta, como o Minotauro, o touro de Minos.

Teseu, que tinha um mau sentido de orientação, entrou no covil do Astério disposto a matar a fera. Conforme avançava, ia largando o fio do novelo para não perder o caminho de volta e para que Ariadne acreditasse que ele regressaria e não desaparecesse na tal festa da loucura. O herói da Ática tinha prometido levar a apaixonada Ariadne a conhecer Atenas. Nestas coisas de planos de viagem, às vezes são necessárias algumas concessões.

O rei Minos, que é verdadeiramente o chifrudo desta história, tinha enclausurado o horrível Astério num autêntico labirinto, tipo estacionamento de uma enorme superfície comercial, quem lá entrava dificilmente dava pela saída. O coitado do Astério, era fisicamente diferente de todos os outros rapazes: tinha borbulhas, pelos na púbis e nas orelhas, narinas enormes e cheirava a sovaco. Era efetivamente, um boi. Tinha nascido duma relação extraconjugal entre a rainha de Creta, Pasífae, mulher de Minos e um outro boi enviado pelos deuses, para ser esquartejado. O boi divino era tão belo, que o rei Minos quis ficar com ele como bicho de estimação e não o sacrificou. Os Deuses ficaram zangados.

É bom lembrar que a mãe de Minos, a princesa fenícia Europa, também tinha um fraquinho por bois. Fora raptada por Zeus disfarçado de toiro e dessa relação bestial nascera Minos e mais uns tantos. Ora então às tantas, Pasífae, a mulher de Minos, por sugestão divina, engraçou com o bicho e enrolou-se com o toiro. Dessa cópula nasceu o desgraçado do Astério.

Entretanto Teseu, enfiado no labirinto para cumprir a nobre missão para que tinha sido convocado, empunhou a adaga e como nos filmes de Hollywood despachou o Astério. Fugiu pelas ruelas estreitas, como se estivesse bêbado numa noite de desacatos em Albufeira e seguiu o fio do novelo até à sua apaixonada Ariadne. Em fuga, embarcaram ambos rapidamente num estonteante navio, tal como o fez Dom João VI e Dona Carlota Joaquina em 1807, fugindo das tropas napoleónicas para o Brasil. Só que, ao contrário do “panhonhas” do Dom João que carregou com a Carlota até ao país tropical, Teseu abandonou Ariadne à sua sorte, mal atracou na ilha de Naxos para fazer a aguada e foi casar com Fedra, irmã mais nova de Ariadne e que se encontrava eventualmente, para ele, em melhores condições.

A sorte de Ariadne, sem antes chorar baba e ranho por ter sido abandonada pelo seu apaixonado, é que apareceu por ali um tal de Dionísio, também conhecido por Baco, moço que andava sempre em festa e a levou para um banquete – um bacanal – com faunos, ninfas, sátiros e bêbados q.b. [2]. Desse encontro divino entre Ariadne e Dionísio, nasceu um tal Enopião, que talvez tenha sido um dos primeiros humanos a fabricar um bom vinho e a bebê-lo com muita elegância sob os sábios ensinamentos do seu pai.

Por vezes, a infelicidade de alguns, é a chave para os grandes acontecimentos da humanidade.

Notas:
[1] A Casa de Astério de J.L.Borges, no youtube.
[2] Bacchus and Ariadne pelo mestre Ticiano (National Gallery, London).