Uma História do Vinho Tinto
com Ariadne e Theseus

Há muito, muito
tempo atrás, Ariadne, filha do rei Minos de
Creta, logo que viu o “famoso herói” Teseu sem
roupa interior ficou loucamente apaixonada. Um
amor à primeira vista. Ofereceu-lhe como prova
do seu amor, um novelo de lã virgem e uma adaga
para que Teseu a pudesse proteger dos feios,
maus e horrorosos que comiam jovens
inocentes. Ou talvez não – foi só para chatear esses
mal-encarados. É
como agora: se és uma criatura diferente e eu
não gosto de ti, deves ser banido, bullying em
cima. Não brincas connosco.
Ariadne tinha um meio-irmão feio como uma
carrada de mato – o Astério – que assustava
muita gente e ela não gostava mesmo nada dele.
Ainda por cima de nove em nove anos fazia uma
festa com catorze virgens,
vindos diretamente de Atenas que só visto.
Também escrevia coisas sobre amores não
correspondidos. Um poeta. De tão feio e
assustador que era, fora banido. Vivia, diz-se, numa
casa que era um labirinto [1]. Ficou conhecido em Cnossos
na ilha de Creta, como o Minotauro, o touro de
Minos.
Teseu, que tinha um mau sentido de orientação,
entrou no covil do Astério disposto a matar a fera.
Conforme avançava, ia largando o fio do novelo para não perder o
caminho de volta e para que Ariadne acreditasse
que ele regressaria e não desaparecesse na tal festa
da loucura. O herói da Ática tinha prometido
levar a apaixonada Ariadne a conhecer Atenas.
Nestas coisas de planos de viagem, às vezes são
necessárias algumas concessões.
O rei Minos, que é verdadeiramente o chifrudo
desta história, tinha enclausurado o horrível
Astério num autêntico labirinto, tipo
estacionamento de uma enorme superfície
comercial, quem lá entrava dificilmente dava
pela saída. O coitado do Astério, era
fisicamente diferente de
todos os outros rapazes: tinha borbulhas, pelos
na púbis e nas
orelhas,
narinas enormes e cheirava a sovaco. Era
efetivamente, um boi. Tinha nascido duma relação
extraconjugal entre a rainha de Creta, Pasífae,
mulher de Minos e um outro boi enviado pelos
deuses, para ser esquartejado. O boi divino era
tão belo, que o rei Minos quis ficar com ele
como bicho de estimação e não o sacrificou. Os
Deuses ficaram zangados.
É bom lembrar
que a mãe de Minos, a princesa fenícia Europa,
também tinha um fraquinho por bois. Fora raptada
por Zeus disfarçado de toiro e dessa relação
bestial nascera Minos e mais uns tantos. Ora
então às tantas, Pasífae, a mulher de Minos, por
sugestão divina, engraçou com o bicho e
enrolou-se com o toiro. Dessa cópula nasceu o
desgraçado do Astério.
Entretanto Teseu,
enfiado no labirinto para cumprir a nobre missão
para que tinha sido convocado, empunhou a adaga
e como nos filmes de Hollywood despachou o
Astério. Fugiu pelas ruelas estreitas, como se
estivesse bêbado numa noite de desacatos em
Albufeira e seguiu o fio do novelo até à sua
apaixonada Ariadne. Em fuga, embarcaram ambos
rapidamente num estonteante navio, tal como o fez Dom
João VI e Dona Carlota Joaquina em 1807, fugindo
das tropas napoleónicas para o Brasil. Só que,
ao contrário do “panhonhas” do Dom João que
carregou com a Carlota até ao país tropical,
Teseu abandonou Ariadne à sua sorte, mal
atracou na ilha de Naxos para fazer a aguada e
foi casar com Fedra, irmã mais nova de Ariadne e
que se encontrava eventualmente, para ele, em
melhores condições.
A sorte de Ariadne,
sem antes chorar baba e ranho por ter sido
abandonada pelo seu apaixonado, é que apareceu
por ali um tal de Dionísio, também conhecido por
Baco, moço que andava sempre em festa e a levou
para um banquete – um bacanal – com
faunos, ninfas, sátiros e bêbados q.b. [2]. Desse
encontro divino
entre Ariadne e Dionísio, nasceu um tal Enopião, que
talvez tenha sido um dos primeiros humanos a
fabricar um bom vinho e a bebê-lo com muita
elegância sob os sábios ensinamentos do seu pai.
Por vezes, a infelicidade de alguns, é a
chave para os grandes acontecimentos da
humanidade.
Notas:
[1]
A Casa de Astério de J.L.Borges, no
youtube.
[2]
Bacchus and Ariadne
pelo mestre Ticiano (National Gallery, London).