Bebo, Logo Existo

bebedeira não é pecado

Carlos Afonso

Hoje de manhã, na minha obrigatória ida à Adega Amável, o João, enquanto enchia um copo de vinho, lá começou a cantarolar o "seu refrão" do "Tudo isto é Fado": "Copos erguidos/Aos bons enchidos/Com pão caseiro/Junto ao Balcão/Está o João/ O dia inteiro/ Há vinho bom/ E até Moetchandon/Muito agradável/ Tudo isto existe/ Só aqui há disto/Isto é o Amável"! E rematou com uma das suas habituais frases publicitárias aos seus produtos: "Um copo de supertinto pela manhã é o melhor talismã"! Soltei um "In vino veritas" e brindei com ele. A frase latina (há quem defenda a sua origem grega), deu título a um ensaio de Kierkegaard, sobre os discursos do amor no Banquete de Platão. Sugeri então ao taberneiro que renovasse o seu stock dos típicos aforismos sobre o vinho que decoram as paredes da sua taberna (e de todas) com frases da sua autoria (e são muitas) e, porque não, ao lado de citações filosóficas sobre o "néctar dos deuses". Foi assim que na internet descobri o livro "I Drink, therefore I Am" com o sub título de "A Philosopher Guide to Wine". De facto se a verdade se encontra no vinho, que melhor instrumento de trabalho para quem a procura? Quem sabe se a "Tese, Antítese e Síntese" da Dialéctica Hegeliana não foi inspirada a copos de Rosé, a síntese de brancos e tintos? Porém, embora sem ter nada de relevo sobre o assunto, Hegel dá o seu nome a um vinho tinto frutado alemão, da região de Weiseberg. Curioso é saber-se que Hegel encomendava de vez em quando umas garrafas de Pontac. Ora M. Pontac era o proprietário do Chateau Haut-Brion, onde o inglês John Locke escreveu uma das suas obras. Sabendo das divergências entre os "empiricistas" ingleses e os seus "especulativos" colegas europeus continentais, podemos dizer que pelo menos o vinho os aproximava. Kant apreciava o espumante, em especial um das Canárias. De acordo com um seu biógrafo, gostava tanto que algumas vezes não dava com o caminho de regresso a casa. Devia ter seguido conselho do seu colega Aristóteles, que aconselhava comer repolho para evitar a bebedeira. Talvez fosse a receita do Treme, Treme, em cuja parede da sua antiga taberna, em Faro, estava escrito "Depois de muito beber/Quando à noite daqui saio/ Treme, treme, posso tremer/Mas cair é que não caio!". Como não tenho a certeza nem me interessa muito saber se os filósofos actuais passam mais tempo bêbados do que a pensar, termino com um silogismo de São Tomás de Aquino: "Todo o pecado tem um correspondente contrário...assim como a timidez se opões ao atrevimento... Mas nenhum pecado se opõe à bebedeira. Logo, a bebedeira não é pecado"! (in Summa Theologica) SAÚDE!.